Editorial de O Estado de S. Paulo
O ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, mandou a Polícia Federal (PF) investigar o “vazamento
seletivo” de informações da Operação Lava Jato sobre conversas comprometedoras
de dois ministros instalados no Palácio do Planalto com o ex-presidente da
empreiteira OAS, conhecido como Léo Pinheiro, já condenado a 16 anos de prisão
pelo juiz Sergio Moro, por corrupção, lavagem de dinheiro e organização
criminosa.
Em 2014, Jaques Wagner,
ministro-chefe da Casa Civil, então governador da Bahia, e Edinho Silva,
ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República,
então tesoureiro da campanha presidencial de Dilma Rousseff, trocaram com o
então presidente da OAS mensagens que ficaram gravadas no celular do
empresário, envolvendo o famoso toma lá dá cá: de um lado, doações em espécie
para campanhas eleitorais do PT, de outro, a liberação de recursos federais e
outras vantagens para a empreiteira.
Com sua iniciativa de
levantar suspeitas sobre o modo como vieram a público aquelas informações,
Cardozo revelou uma curiosa preocupação seletiva em relação às investigações de
corrupção. O que parece incomodá-lo é a notícia do envolvimento de dois
ministros petistas e palacianos. Pois sua nota oficial ignora o fato de que
pelo menos mais duas altas autoridades da República, ambos do PMDB, aparecem na
mesmíssima investigação: um terceiro ministro, o do Turismo, Henrique Eduardo
Alves, e – não poderia faltar! – o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha. A nota informa que “a abertura imediata de inquérito policial” se
justifica pelo fato de que as mensagens vazadas, “em princípio, estão
protegidas por sigilo legal”.
Essas investigações
instruíram o processo que já transitou em julgado na Justiça Federal do Paraná
com a condenação à prisão de Léo Pinheiro e outros diretores da OAS. Voltam
agora a chamar a atenção porque foram encaminhadas à Procuradoria-Geral da República
(PGR), uma vez que envolvem investigados que desfrutam de foro privilegiado.
Caberá à PGR decidir se apresenta denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF).
José Aldemário Pinheiro
Filho, vulgo Léo Pinheiro, cultivava amplo círculo de relações nas três esferas
governamentais. Até o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é mencionado nas
mais de 600 páginas de transcrição das mensagens gravadas no celular do
ex-empreiteiro, ao lado de dezenas de ilustres figuras da República, boa parte
filiada ao PT e ao PMDB.
A preocupação dos petistas
com o que classificam de divulgação “seletiva” de nomes investigados pela PF
tem a ver com o fato de que a maior parte desses nomes é de políticos ligados
aos partidos da base de apoio do governo. Tentam os petistas passar à opinião
pública a ideia de que a PF e o Ministério Público Federal (MPF), com a
indispensável “cumplicidade” dos meios de comunicação, poupam a oposição e
“criminalizam” o governo do PT e os partidos que o apoiam numa manobra
articulada pelas “elites” para prejudicar os “interesses populares”.
De fato, praticamente só dá
governistas nos mensalões e petrolões da vida. O próprio PT já teve dois
ex-presidentes e dois ex-tesoureiros mandados para a prisão. A tigrada, afinal,
levou ao pé da letra, só que no sentido de se lambuzar, a velha advertência de
que, sendo o governo o detentor da chave do cofre, é ele que tem o poder de
corromper e motivos para ser corrompido. Já a oposição não tem o que oferecer
concretamente.
A decisão de Cardozo de
mandar a PF investigar o “vazamento seletivo” – decidiu-se que o vazamento é
“seletivo” antes mesmo de investigar – reflete a mesma preocupação da
presidente Dilma Rousseff, por ela sutilmente manifestada no encontro com os
jornalistas, na quinta-feira pela manhã: “A impunidade começou a ser ameaçada
e, doa a quem doer, as coisas são apuradas. Temos que manter o direito de
defesa e acabar com a escandalização. Mas tenho medo da espetacularização e dos
vazamentos, porque os vazamentos não se dão em um quadro de apuração de responsabilidades”.
Dilma deveria se preocupar menos com os vazamentos e mais com a insistência com que se vangloria de que sobre sua conduta “não paira embaçamento algum”, porque isso não é mérito, é obrigação. E nunca é demais lembrar que ser honesto implica não admitir que haja desonestidade no próprio entorno.
Dilma deveria se preocupar menos com os vazamentos e mais com a insistência com que se vangloria de que sobre sua conduta “não paira embaçamento algum”, porque isso não é mérito, é obrigação. E nunca é demais lembrar que ser honesto implica não admitir que haja desonestidade no próprio entorno.