As negociações com o Palácio do Planalto, com o Congresso e
todos os detalhes dos bastidores da CPMI dos Correios, que investigou, entre
2005 e 2006, o esquema do mensalão e abateu a cúpula do PT, estão gravados num
diário feito pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), que tinha acesso a
informações privilegiadas por ter presidido a comissão mista de inquérito.
Nos dez meses que duraram as investigações, o petista narrou
para um gravador, por exemplo, todos os detalhes das conversas que teve com o
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio da Alvorada, geralmente
à noite, em dias que antecediam reuniões importantes da CPMI ou após
depoimentos bombásticos.
Delcídio já relatou a algumas pessoas que o gravador está
bem escondido e que as revelações só viriam à tona quando ele estivesse fora da
vida pública ou mesmo após sua morte. A versão mais conhecida é de que enterrou
na fazenda de sua mãe, no Pantanal. Mas há quem avalie que essa é apenas uma
forma de dizer que o material está num local só conhecido por ele.
Lava Jato - Nove
anos após o encerramento da CPMI, Delcídio foi preso acusado de tentar obstruir
a Operação Lava Jato. Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobrás Nestor
Cerveró, gravou e relatou a procuradores da República que o senador lhe
ofereceu rotas de fuga e dinheiro para que seu pai poupasse ele e o banqueiro
André Esteves numa possível delação premiada. Quem já ouviu falar na existência
das gravações teme que o comportamento do PT, que o abandonou imediatamente,
faça com que Delcídio mude de ideia e decida tornar público o segredo que
guarda há quase uma década e que poderá constranger o partido.
A CPMI dos Correios esbarrou numa empresa do filho mais
velho do ex-presidente Lula, Fábio Luís Lula da Silva, que recebeu um ano após
ter sido criada aporte milionário de concessionária de telefonia Telemar. O
relatório final da comissão suprimiu menções a Lulinha e ao fato de a empresa
investigada – a Gamecorp – pertencer a ele.
Na versão de pessoas que participaram das negociações, um
acordo teria garantido votos a favor do texto final em troca de poupar o filho
do petista. Em entrevista ao jornal Folha
de S.Paulo em 2012, Delcídio afirmou sobre esse episódio que houve pressão
“de todos os lados”. Lula sempre negou que tivesse interferido na CPMI. A
comissão de inquérito também atingiu lideranças do PT, como o ex-ministro José
Dirceu e o ex-presidente do partido José Genoino, que acabaram condenados no
processo do mensalão.
‘Tempo para pensar’ -
Na sede da superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, onde está
preso, Delcídio tem recebido a visita da mulher, dos advogados, de um
ex-assessor e de políticos do seu Estado. O tempo tem sido usado para pensar na
sua defesa e também para rememorar os fatos que marcaram sua vida política,
como a presidência da CPMI dos Correios. Segundo interlocutores frequentes,
Delcídio “nunca teve tento tempo para pensar”, está “com a disciplina mental
intacta” e “erra quem acha que o PT ou a nota do partido vai causar nele
amnésia”. Ao saber que o PT iria afastá-lo, Delcídio, inclusive, teria
comentado que esta era a melhor notícia que havia recebido desde a prisão.
A defesa de Delcídio ingressou no Supremo Tribunal Federal
com pedido de revogação da prisão, que ainda não foi analisado. O petista está
na superintendência da Polícia Federal no DF desde 25 de novembro, onde ocupa
uma sala especial por estar no exercício do mandato parlamentar. Pessoas
próximas negam que ele tenha intenção de fazer delação premiada. Após a prisão,
o Supremo já instaurou três inquéritos contra o senador, um oculto e dois estão
em segredo de Justiça.
Ao contrário do que aconteceu com seus colegas de partido, a
queda de Delcídio ocorreu em
horas. No momento em que a PF bateu em sua porta no hotel
Royal Tulip, em Brasília, às 6 horas da manhã, ele era líder do governo no
Senado, um interlocutor no meio empresarial, na imprensa. À noite, já tinha
sido destituído da liderança, o PT já o havia abandonado, o Supremo Tribunal
Federal confirmado sua prisão e o Senado a referendado.
As conversas com Lula eram constantes na época da CPMI dos
Correios, já com a presidente Dilma Rousseff a relação mais direta se deu do
ano passado para cá. A presidente foi citada três vezes por Delcídio no
depoimento que prestou à Polícia Federal, quando contou que ela já mantinha
relações frequentes com Nestor Cerveró quando pediu sua sugestão para indicá-lo
a diretor da Petrobras. (O Globo)